No Brasil, 111 municípios responderam pela metade dos homicídios no país em 2015, segundo dados do Atlas da Violência. Em torno de 10% dos municípios brasileiros (5.570) registraram 76,5% de todas as mortes em território nacional.
A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. São 63 mortes por dia, que totalizam 23 mil vidas negras perdidas pela violência letal por ano, conforme destacado pela campanha Vidas Negras, lançada pelas Nações Unidas no país em novembro de 2017.
“A dimensão da violência é diferenciada nos estados. Esses dados demonstram que se pode ter políticas públicas muito focadas, onde os assassinatos estão concentrados”, disse Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil e coordenadora do Grupo Temático de Gênero, Raça e Etnia da ONU Brasil, em entrevista ao programa Artigo 5º, da TV Justiça, a ser veiculado na próxima terça-feira (13), às 12h (clique aqui para assistir).
“E as políticas não são de repressão. São políticas de desenvolvimento. Essa é a proposta dos países-membros da ONU com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Não deixar ninguém para trás é trazer para o desenvolvimento, para as oportunidades a todos e a todas”, completou.
De acordo com Nadine, os ODS precisam ter enfoque racial para eliminar o racismo, como propõe o Marco de Parceria das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2017-2021, firmado com o governo brasileiro.
Ela acrescentou que realizar os objetivos globais no país implica, especialmente, trazer “os jovens negros, as jovens negras, as crianças negras” para as políticas de desenvolvimento. “Tem todo um trabalho integrado e integral que vai desde a educação, a mídia”, afirmou.
Nadine falou ainda sobre a motivação das Nações Unidas com a campanha Vidas Negras, pelo fim da violência contra a juventude negra. “É um esforço da ONU na direção do reconhecimento de que o Brasil está perdendo uma parte importante da sua população e não está criando oportunidades”, disse.
“Vinte e três mil assassinatos de jovens por ano é um escândalo. A sociedade brasileira, os governos e cada um de nós temos de fazer a nossa parte. (A campanha) Vidas Negras fala do reconhecimento da importância dos jovens negros. Chama à responsabilidade social e política de fazer algo já”, declarou.
Questionada sobre a informação de que 56% da população brasileira concorda com a afirmação de que “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco”, Nadine alertou para a gravidade dos resultados da pesquisa realizada pelo Senado Federal.
“Isso revela a permissividade com o racismo. O racismo se manifesta tanto nas relações pessoais quanto institucionais e termina na violência extrema que é o assassinato três vezes maior de jovens negros. São índices alarmantes. Para o assassinato de jovens negros, não tem outra justificativa a não ser a incapacidade da sociedade brasileira de dar oportunidades para todo mundo e tratar todo mundo como igual”, salientou.
Agenda política
O advogado Marivaldo de Castro lembrou que a escravização negra no Brasil, abolida há 129 anos, é um crime de lesa-humanidade. “Há um problema extremamente grave de racismo no Brasil, de exclusão social de jovens negros e que precisamos reconhecer, para produzir políticas públicas que corrijam esse problema”, declarou.
“Mais do que isso: precisamos tirar esse problema da invisibilidade. Temos uma epidemia de homicídios no país, que causa sofrimento à população mais pobre e que, infelizmente, não é um tema que está na agenda política. O tema não é nem mesmo debatido”, avaliou.
Castro destacou a necessidade de “uma política estruturada de prevenção que tenha como fator central o ensino público, a cultura, a assistência social e a saúde, trabalhando de modo integrando e prestando atenção a esses jovens”.
Filtragem racial
O jovem publicitário Mateus Santana falou sobre a filtragem racial e a abordagem agressiva de policiais a jovens negros, um dos temas também abordados pela campanha Vidas Negras.
Perguntado se amigos já haviam passado pela situação, ele respondeu: “não só amigos, mas eu também”. “Essa questão da filtragem racial é constante. Em batidas de polícia, que a gente chama de ‘bacu’, é rotina. Você está andando em lugar público e você é o único suspeito da polícia”, disse.
Nas redes sociais, o jovem tem relatado a violência racial que vivencia. “Comigo, que sou negro, os policiais pegavam minha mochila e jogavam tudo no chão enquanto que com o passageiro branco eles pediam autorização para revistar os pertences pessoais”, contou.