A ONU Brasil lançou na terça-feira (7) a campanha #VidasNegras, iniciativa de conscientização nacional pelo fim da violência contra a juventude afrodescendente. Em cerimônia que reuniu em Brasília cerca de cem autoridades públicas e representantes da sociedade civil e do corpo diplomático, dirigentes das Nações Unidas alertaram que cinco jovens negros morrem a cada duas horas no país. Por ano, o número chega a 23 mil.
Para Nicky Fabiancic, coordenador-residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil, os dados mostram a “dura realidade” enfrentada pela juventude negra brasileira, “que sofre o impacto do racismo estrutural que precisamos combater”.
“Hoje, reafirmo o compromisso da equipe das Nações Unidas no Brasil com a eliminação do racismo e da discriminação racial. A campanha Vidas Negras é uma convocatória à ação. É inaceitável que o fato de ser negro coloque jovens em risco de serem assassinados, de serem submetidos a diferentes tipos de violência. As famílias temem pelas vidas desses jovens. Perdem esses jovens. E a sociedade: nós perdemos muito mais”, afirmou o dirigente durante o evento na Casa da ONU, na capital federal.
O racismo mata.
E não podemos ser indiferentes.
Um jovem negro é assassinado
a cada 23 minutos.
“Precisamos reconhecer que afrodescendentes são as maiores vítimas de ações abusivas e, muitas vezes, letais pelas forças de segurança, ocasionando também taxa desproporcional de apriosonamento de pessoas negras. Em geral, jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas.”
O coordenador-residente enfatizou a responsabilidade que o poder público tem de reverter o atual cenário, sobretudo devido às dificuldades que a juventude negra enfrenta para ter acesso a educação. Cobrando medidas para “manter o jovem negro na escola”, Fabiancic completou que “isso deve ser combatido nas frentes social, política e econômica para que se reverta essa profunda desigualdade”.
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Ao se referir à Década Internacional de Afrodescendentes, instituída pela Assembleia Geral da ONU em 2015, Fabiancic lembrou que, dos 200 milhões de afrodescendentes nas Américas, mais da metade estão no Brasil, o que o torna “o maior país em número de afrodescendentes nas Américas”. Ainda segundo o dirigente, a igualdade racial faz parte do mandato das Nações Unidas, desde sua carta fundadora até a nova Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
O coordenador fez um apelo à sociedade brasileira e ao poder público para que reajam aos problemas vividos pela juventude negra. “O racismo mata. E não podemos ser indiferentes. Um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos. Não podemos ficar indiferentes. Mas devemos e podemos caminhar juntos para mudar essa realidade. Cada vida importa. Não devemos deixar ninguém para trás. Nós, os chefes das agências da ONU Brasil, convidamos todas e todos a trabalhar por um país mais pacífico, mais justo e mais inclusivo”, concluiu.
Juventude viva
Também presente, o secretário nacional de Juventude, Assis filho, mencionou o recente lançamento do novo Plano Juventude Viva, reatualizado há três meses. O gestor também abordou os novos investimentos da pasta.
“Por meio de cooperação técnica, estamos trabalhando com a ONU no novo Plano da Juventude Viva e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública para atualizar o Índice de Vulnerabilidade Juvenil 2017, que tem recorte nos cem municípios mais populosos, em jovens negros entre 19 e 29 anos e recorte de gênero. O IVJ 2017 é um chamado à reflexão e o documento servirá como base para a implementação de políticas públicas contra o extermínio da juventude negra”, afirmou.
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Assis Filho parabenizou a campanha #VidasNegras, da ONU Brasil, posicionando-se contra a violência dirigida à juventude negra. “É inadmissível que em cada cem assassinatos no Brasil, 71 sejam cometidos contra jovens, negros, pobres, que moram em periferias e que tenham baixo acesso a escolaridade. Esses números precisam ser combatidos numa força-tarefa composta pelo governo, Congresso, Judiciário, Ministério Público e sociedade civil organizada. As Nações Unidas têm dado uma colaboração muito importante”, acentuou. Além de Assis Filho, o governo brasileiro esteve representado por Luana Vieira, assessora do Ministério dos Direitos Humanos.
Movimento negro
O advogado Daniel Teixeira, integrante do Fórum Permanente de Igualdade Racial, anunciou o peticionamento junto a quatro relatorias das Nações Unidas sobre “as execuções sumárias que vêm acontecendo diariamente no país”. “No relatório da CPI do Senado, o Senado diz ‘que há um genocídio contra a juventude negra no país’. O Senado, o Estado brasileiro admite essa situação e isso impõe responsabilidade de mudança”, salientou.
Apesar do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre Assassinato de Jovens, Teixeira avaliou que pouco “sensibilizou as diversas instâncias governamentais atuais no sentido de aplicar as recomendações, as quais envolvem jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, a questão dos autos de resistência que pede mudança legislativa nessa temática, a reestruturação organizacional da segurança pública, dados sobre a situação e observatório nacional de violência, plano nacional de redução de homicídios e um fundo nacional de igualdade racial”.
Teixeira assinalou a situação das mães de jovens negros, citando casos emblemáticos, com os crimes de maio de 2006, em São Paulo; Cabula, em Salvador, entre outros.
A superação do racismo é possível,
necessária e imperativa, mas
precisa do ativismo da sociedade
para construir um presente de inclusão.
Sobre o uso da palavra genocídio, o advogado lembrou que “o último genocídio reconhecido em território europeu foi na guerra da Bósnia, com 8,5 mil pessoas assassinadas durante a guerra inteira”. “Quando a gente fala do assassinato de jovens negros, a gente fala do triplo disso por ano. Então, é preciso reconhecer que esse é um crime de lesa humanidade e que acontece hoje”, finalizou.
Jaime Nadal, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e presidente do Grupo Assessor de Juventude da ONU Brasil, recuperou os dados da pesquisa da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e do Senado e ressaltou que 56% da população considera que, no país, choca menos a morte violenta de um jovem negro do que de um jovem branco.
“Lançada no mês da Consciência Negra, a campanha Vidas Negras quer chamar a atenção da sociedade. Essa é uma das iniciativas previstas no âmbito da Década Internacional de Afrodescendentes junto à opinião pública”, enfatizou Nadal.
O representante do UNFPA destacou a importância das ações afirmativas para a inclusão de negras e negros e a “necessidade de respostas efetivas do sistema de justiça para a eliminação do fenômeno conhecido como filtragem racial”.
De acordo com representante da agência da ONU, “a superação do racismo é possível, necessária e imperativa, mas precisa do ativismo da sociedade para construir um presente de inclusão e base para um futuro em que todas as pessoas possam viver sem discriminação racial”.
Relatos de opressão racial e superação
Thaís Ellen, estagiária do UNFPA, e Lázaro Silva, consultor do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), apresentaram a cerimônia de lançamento e deram testemunhos pessoais sobre suas vivências. Os relatos trouxeram histórias de discriminação e violência policial, mas também de superação. Jovens abordaram importância das ações afirmativas e falaram sobre seus sonhos para o futuro.
Apoie a campanha #VidasNegras
As peças da campanha #VidasNegras abordam diferentes facetas do racismo, que vão da discriminação como obstáculo à cidadania plena; passam pelo tratamento desigual de pessoas negras em espaços públicos; e pelo vazio deixado pelos jovens assassinados nas famílias e comunidades; chegando até o problema da filtragem racial (escolha de suspeitos pela polícia, com base exclusivamente na cor da pele).
Participam dos vídeos e outros materiais de divulgação o grupo Dream Team do Passinho, Elisa Lucinda, Érico Brás, Kenia Maria e Taís Araújo. Os conteúdos podem ser baixados diretamente do site nacoesunidas.org/vidasnegras e compartilhados nas redes sociais.