“Desce! Desce!”. Foi com essas palavras e com arma em punho que um policial abordou a judoca Rafaela Silva. Em fevereiro desse ano, a atleta foi parada por agentes de segurança quando estava num táxi indo do aeroporto Tom Jobim para Jacarepaguá, bairro onde mora, na zona oeste do Rio de Janeiro. Em entrevista à ONU, a campeão olímpica lembra o ocorrido e questiona: se fosse uma pessoa de cor diferente, o tratamento não seria o mesmo.
Aos 25 anos, Rafaela é a única judoca brasileira que coleciona o ouro no campeonato mundial, com o título de 2013, e nas Olimpíadas. Nascida e criada na Cidade de Deus, começou a lutar com cinco anos. Aos oito, foi para o Instituto Reação, projeto social do ex-atleta Flávio Canto, onde treina até hoje.
Dentro e fora dos tatames, a campeã sempre enfrentou um inimigo constante — o racismo.
Em 2012, ao ser desclassificada dos Jogos Olímpicos de Londres por aplicar um golpe considerado ilegal, Rafaela foi alvo de xingamentos por brasileiros na internet.
“Tinham muitas pessoas me agredindo pelas redes sociais. Que eles estavam pagando imposto para eu ganhar roubando”, conta a atleta.
Com a vitória na Rio 2016, a história e as conquistas da judoca da Cidade de Deus ganharam repercussão nacional e mundial.
“Se fosse uma pessoa com uma cor diferente, ele não bateria com a arma no vidro porque acharia ‘a gente vai fazer a vistoria aqui, mas não vamos achar nada’”, afirma a judoca.
“Eu andava na rua e via a pessoa levantando o vidro do carro, achando que eu ia assaltar porque eu tava andando na calçada de chinelo e de bermuda. Hoje em dia, depois de ganhar uma medalha olímpica na Olimpíada do Rio, as pessoas baixam o vidro para poder me cumprimentar, para falar que viram a minha luta.”
Mas formas veladas de preconceito — e outras nem tão discretas — ainda fazem parte do seu dia a dia. Um exemplo, conta a campeã, é o comportamento de seguranças em lojas e shoppings, que sempre ficam de olho esperando um furto devido ao fato de ela ser negra.
Outro episódio sintomático do racismo existente na sociedade brasileira foi a abordagem da judoca em fevereiro último, quando Rafaela foi interpelada por policiais militares na Avenida Brasil, enquanto ia de táxi para a Freguesia. O caso revoltou a atleta, que se manifestou em suas redes sociais.
“Eu achei errada a maneira como ele me abordou. Vir com uma arma e gritar ‘desce!’”, lembra Rafaela, que conta que o agente de segurança não lhe pediu nem mesmo seus documentos.
Ao contrário do que alguns usuários da internet sugeriram, a atleta não disse que o fato de ser campeã deveria isentá-la de qualquer fiscalização. Antes, a indignação veio da discriminação institucionalizada.
“Se fosse uma pessoa com uma cor diferente, ele não bateria com a arma no vidro porque acharia ‘a gente vai fazer a vistoria aqui, mas não vamos achar nada’”, afirma a judoca.
Após o incidente, Rafaela se uniu à campanha da ONU Vidas Negras para conscientizar as pessoas sobre o problema da chamada filtragem racial, quando policiais adotam formas de tratamento que variam de acordo com a raça da pessoa.